O pai movido pela perda da filha criou o primeiro robô cognitivo gerenciador de riscos do mundo, que leva o nome dela como homenagem.
“A Laura, com toda a vida que tinha naqueles 28 centímetros e 440 gramas, deixou a inspiração para que eu tivesse, mesmo nas piores condições, força para impactar a vida de outras pessoas. Nossa equipe leva hoje pra casa o saldo de dez vidas salvas todos os dias”, disse ele.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as infecções hospitalares atingem cerca de 14% dos pacientes internados e são responsáveis por mais de 100 mil mortes no Brasil todos os anos.
“Nenhuma tecnologia ou pessoa pode mudar minha história e da Laurinha. Porém, o maior incentivo é o amor pelo próximo. Fiz isso para diminuir o número de mães que dormiriam chorando com a perda de seus filhos. Fiz isso para mostrar que da dor, quando nos movemos por amor, conseguimos mudar positivamente a vida das pessoas”, relatou Jacson.
Segundo ele, a robô é uma homenagem para uma pessoa que não teve a chance de viver e experimentar tudo o que a vida tem de positivo. “É a forma que criei de externar minha intenção de impactar a vida das pessoas”, disse.
As estatísticas do robô indicam queda de 9% nos casos de infecção nos hospitais que usam o recurso.
Jacson Fressatto – pai de Laura e criador da robô
VIDAS SALVAS
Uma das nove mil vidas que foram ajudadas pelo sistema desenvolvido pelo Jacson, é a da Bianca, filha da jornalista Jéssica Amaral.
A bebê nasceu e ficou internada na UTI do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, após a mãe sofrer uma infecção no útero, que ocasionou o parto prematuro.
Jéssica contou que quando a Bianca nasceu, ela estava apenas com 27 semanas de gestação. Após o nascimento, começaram as complicações, principalmente, no quadro respiratório.
Foram 77 dias de UTI e, nesse período, a Bianca teve sepse tardia, uma hemorragia periventricular grau IV e uma hemorragia pulmonar gravíssima, além de pneumonia.
Jéssica e a filha durante o tratamento na UTI
“O período do hospital foi um dos mais difíceis da minha vida. Todo dia era uma montanha-russa de emoções. Uma hora a bebê estava bem e na outra estava entubada”, disse Jéssica.
A mãe contou que conheceu a robô Laura no hospital durante as conversas com as outras mães que comentavam que tinha esse sistema inovador no tratamento de pacientes.
“Acredito que o sistema faz parte de um conjunto. O trabalho dos médicos, enfermeiros, técnicos e a tecnologia unidos fazem com que o tratamento tenha mais eficácia. O sistema auxilia para detectar sepsias, que podem ser mortais para bebês tão pequenos, além de outros relatórios importantes para a avaliação médica. Quanto mais precoce o tratamento, maiores são as chances de melhora”, relatou ela.
Atualmente, a Bianca tem um ano e quatro meses e se desenvolve bem, sem sequelas.
Jéssica e Bianca após tratamento
“Claro que em todo o tempo que estive no hospital, vi crianças que não resistiram. Porém, também vi muitas crianças que os médicos não tinham esperança, superarem e hoje estão bem. É um conjunto. Tecnologia + conhecimento médico, só poderia dar certo”, concluiu Jéssica.
Outra vida que foi auxiliada é a do Rafael, filho da Keila Francielli Colle Santana. A mãe contou que estava grávida de 18 semanas quando começou a ter faltas de ar. Segundo ela, achava que o sintoma era normal da gestação. Quando foi ao hospital, já ficou internada, tomando soro e vitaminas.
Depois de três dias, recebeu alta hospitalar, mas os sintomas retomaram. Com 21 semanas de gravidez já não conseguia mais andar direito e voltou para o hospital.
“Me mandaram para a UTI com suspeita de H1N1. Tive que fazer mais exames, até que a enfermeira falou que o que eu tinha era sepsemia, por conta de uma endocardite. E isso foi a robô que identificou”, relatou a mãe.
A Keila precisou passar por uma cirurgia cardíaca de emergência. Os médicos não acreditavam muito nas chances de vida dela e do bebê, pois era muito cedo para o Rafael nascer, mas no fim deu tudo certo.
“Graças a Deus a cirurgia correu bem e sobrevivemos. Atualmente o Rafael está com oito meses e super saudável. Sou eternamente grata pela robô Laura em minha vida. Eu já conhecia o sistema, pois na época eu trabalhava em um hospital, mas nunca imaginei que eu iria ser ‘salva’ por ele”, contou a mãe emocionada.
Keila e família
O LEVANTAMENTO
Para calcular o número de dez vidas salvas por dia foram necessárias três etapas. Primeiro, foram selecionados os pacientes monitorados pela Laura em cinco hospitais, de outubro de 2016 quando começou a funcionar a dezembro de 2018.
A partir desse levantamento, foram identificados os pacientes que receberam, pelo menos, um alerta gerado pelo robô Laura que tenha resultado em abertura de protocolo de sepse e/ou prescrição de antibiótico.
Desses pacientes, os que receberam alta foram considerados salvos com a ajuda da Laura. Em todo o período analisado, 9.029 pessoas foram salvas, ou, em média, dez vidas por dia.
O levantamento foi feito pelo cientista de dados, Felipe Barletta.
“Não acho que o termo ‘salvar’ seja muito adequado. Preferimos usar a expressão ‘ajudou a salvar’, pois a robô gera o alerta para a equipe assistencial e médica, e então identifica o paciente com maior risco. Assim, eles podem agir com maior exatidão. Como utilizamos modelos estatísticos que dão a probabilidade do paciente ir a óbito podemos afirmar que com a ajuda da Laura é possível diminuir o risco”, explicou ele.
De acordo com Felipe, o sistema da Laura é adequado. Antes da Laura, os hospitais utilizavam outro tipo de sistema para identificar pacientes em risco. Os tradicionais protocolos Early Warning Scores – pontuação de alerta precoce, que se baseiam somente no estado atual da pessoa, ignoram as variações ao longo do tempo do estado do paciente.
“O sistema da Laura utiliza, além de sinais vitais, informações como a idade do paciente, comorbidade, gênero, setor de internamento, exames laboratoriais. É completo. Desta forma, por meio de modelos estatísticos que aprendem com os dados, a probabilidade calculada para o óbito é muito mais precisa. Todos os nossos comparativos com os resultados dos tradicionais protocolos são superiores”, ressaltou Felipe.
A ROBÔ
A Laura é uma tecnologia implantada nos hospitais para identificação precoce dos riscos de infecção grave, a sepse. O recurso, criado por Fressatto após a morte da filha, usa a inteligência artificial e a tecnologia cognitiva para fazer o gerenciamento de dados da rotina do hospital e emitir alertas.
Ativa desde 2016, a Laura já teve cerca de 1,2 milhão de pacientes conectados e reduziu em 25% a taxa de mortalidade hospitalar, segundo o levantamento. Além de salvar vidas, a tecnologia é um instrumento para otimização de tempo e recursos em saúde.
A cor laranja e a movimentação na tela indicam alterações nos dados vitais dos pacientes e também nos exames laboratoriais, o que serve de alerta para as equipes, que se movimentam rapidamente.
A tecnologia da Laura funciona em hospitais do Paraná e de Minas Gerais. Também está em fase de implantação na Santa Casa de Porto Alegre (RS) e no Hospital A.C.Camargo, em São Paulo.
Alguns dos hospitais atendidos, são: Hospital Erasto Gaertner e Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), em Curitiba; Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga (MG); Santa Casa de Londrina e Hospital Ministro Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu.
Laura está ativo desde 2016
RISCOS DA SEPSE
Segundo o Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), a sepse é responsável por 25% das taxas de ocupação do leito em UTI no Brasil e sua mortalidade associada pode variar de 29,6% a 54,1% nos hospitais privados e públicos, respectivamente. Além disso, a doença é a mais cara no setor da saúde.
“A sepse é um caso grave de saúde pública em UTIs, pois além de cessar muitas vidas, estamos tratando com um inimigo silencioso que surge de repente e traz um prejuízo financeiro enorme a qualquer hospital”, afirmou Rubens Alexandre de Faria, de 52 anos, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
De acordo com o artigo dele, publicado na Research on Biomedical Engineering, o custo dos cuidados para um paciente com sepse é seis vezes maior do que um paciente sem sepse.
“A robô Laura foi conhecida através da minha aluna de mestrado Aline Kalil, que trabalhava no HNSG e se intrigou em estudar a real eficiência que um software poderia ter na solução de problemas reais em UTIs, como a sepsis. Desta forma, viu uma oportunidade de se iniciar um estudo para uma possível solução na redução das infecções”, explicou Rubens.
Segundo ele, a robô Laura mostrou extrema relevância para a qualidade da assistência médica ao apoiar as decisões clínicas e reduzir a mortalidade nas UTIs. O resultado preliminar da pesquisa foi classificado como nível B1 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na área de engenharias e publicado em um periódico internacional.
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