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Um dinossauro pequeno, carnívoro, com braços curtos, e bípede – cujo peso do corpo se sustenta no dedo central dos pés. Esse é o Vespersaurus paranaensis, um espécime inédito no mundo, encontrado na região de Cruzeiro do Oeste, município de 21 mil habitantes no Noroeste do Paraná. A descoberta do fóssil foi anunciada em entrevista coletiva nesta quarta-feira (26), como resultado de pesquisas feitas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade de São Paulo (USP) e do Museu Paleontológico de Cruzeiro do Oeste. O estudo sobre o primeiro dinossauro “100% paranaense” foi publicado no periódico científico Scientific Reports.
O novo dinossauro que teria vivido há 90 milhões de anos, no período Cretáceo, foi encontrado no mesmo sítio paleontológico em que já haviam sido descobertos o lagarto Gueragama sulamericana e inúmeros indivíduos do pterossauro Caiuajara debruskii. O nome saiu da junção de vésper (oeste, em latim; homenagem à cidade em que ele foi encontrado) e saurus (lagarto, também em latim).
De acordo com o pesquisador Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, os fósseis da nova espécie revelam um dinossauro de pequeno porte, com pouco mais de 1,5 metro de comprimento, que faria parte da linhagem dos terópodos – grupo de dinossauros carnívoros bípedes semelhantes ao Tiranossauro Rex e o Velociraptor. O Vespersaurus paranaensis pertence ao subgrupo Noasaurinae, que inclui dinossauros pequenos até então conhecidos apenas na Argentina e em Madagascar, com possíveis registros também na Índia, o que pode indicar que essas terras estiveram unidas, com provável conexão através da Antártica.
Langer explica que o dinossauro paranaense possuía vértebras escavadas por divertículos do sistema respiratório, que conferiam leveza ao seu esqueleto (como nas aves), e um braço muito reduzido, com menos da metade do comprimento da perna, mas sua característica anatômica mais peculiar está nos pés: “seu peso era praticamente todo suportado por um único dedo central, sendo o animal funcionalmente monodáctilo, de forma semelhante aos cavalos atuais”.
Os dedos que flanqueavam esse dígito central possuíam grandes garras em forma de lâmina, que serviriam para cortar e raspar. “De forma análoga ao Velociraptor, com o qual o Verpersaurus não é aparentado, ele provavelmente usaria as garras do pé na captura e dilaceração de presas, que poderiam incluir os lagartos e pterossauros que sabemos também terem habitado a região”, afirma o paleontólogo da USP que lidera o estudo.
“É uma descoberta fantástica”, considerou o presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Renato Pirani Ghilardi. “A gente tem um dinossauro carnívoro, o que é muito raro de ser encontrado, de ser preservado. Temos a ideia de muitos dinossauros na América do Norte, Europa, e aqui não. Essa pesquisa mostra que tem sim, só que a gente ainda está descobrindo eles”.
“A descoberta desses fósseis, e a comprovação de que se trata de um dinossauro não encontrado em qualquer parte do mundo, fala muito sobre como já foi nossa região no passado”, diz o geólogo Edson Fortes, especialista em Geomorfologia Estrutural e Extratografia do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá, que, junto com a estudante de pós-graduação Rosana Natieli de Lima, conduziu o levantamento ambiental do sítio.
“Estudando o solo vamos descobrindo como cada camada foi depositada ao longo de séculos e milênios, se por força dos ventos, se trazida por águas, se no passado aquele solo era um deserto, um rio, se havia muita vegetação”, diz o pesquisador. Segundo ele, a análise mostrou que há 90 milhões de anos a região de Cruzeiro do Oeste era um deserto, mas que o local em que está o sítio arqueológico podia ser uma lagoa, onde animais das mais diferentes espécies compareciam para beber água. Devido à umidade, devia existir farta vegetação, que por sua vez servia de alimento aos herbívoros. Os carnívoros, então, aproveitavam para caçar por ali.
Alívio para os pioneiros
Além de entusiasmar especialistas e cientistas, a descoberta serviu também de alívio especial para o agricultor João Gustavo Dobruski. Um dos proprietários do sítio em que foram encontrados os fósseis, ele e seu pai viveram dias difíceis nos anos 70, quando descobriram os primeiros indícios da existência de dinossauros na região. Foram desacreditados e viraram motivo de chacota. “Isso tapa a boca de muita gente que se referia ao assunto como piada”, desabafou.
Essa história começou com problemas na estrada usada por ele e o pai, Alexandre Gustavo Dobruski, para levar leite à cidade. O trajeto tinha locais que, em períodos de chuva, empossavam e impediam a passagem da carroça. Ao tentarem consertar a passagem encontraram ossos que não pareciam com os de animais conhecidos. Levaram então o caso às autoridades e não foram levados a sério. Pelo contrário.
“Ficamos em silêncio até 2015, quando as pesquisas se fortaleceram na região. Hoje está claro que se não fosse a iniciativa do meu pai de comunicar as autoridades, jamais esta descoberta aconteceria”, diz João Gustavo.
Para o geólogo Paulo Cesar Manzig, consultor técnico do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste, além da iniciativa dos Dobruski, foi muito importante a forma como a prefeitura de Cruzeiro do Oeste tratou o assunto. Desde 1971, ano da descoberta dos agricultores, vários pesquisadores trabalharam no local, entre eles o conceituado Giusepe Leonardi, um padre que mora na Itália e fez pesquisas em vários sítios da América Latina. Foi ele quem encontrou pegadas do dinossauro que agora é confirmado.
Foto: Paulo Cesar Manzig
“Uma descoberta como esta, aumenta a responsabilidade da prefeitura, mas também pode trazer benefícios para a cidade”, diz a prefeita do município, Helena Bertocco. Segundo ela, a administração está dando todo apoio para a continuidade das pesquisas e criou um museu paleontológico, dirigido pela professora Neurides Martins, que defende que o museu dê suporte às pesquisas e sirva como referência para estudantes e pesquisadores.
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