Programa Família Acolhedora oferece a crianças em vulnerabilidade a chance de crescer em um lar cheio de afeto
Executado pela Prefeitura de Paranaguá, o programa garante proteção, afeto e reconstrução emocional a crianças e adolescentes amparados por medida protetiva.
Em muitos casos, o acolhimento é o primeiro passo para que uma criança volte a acreditar no afeto e na convivência familiar. Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e regulamentado pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Programa Família Acolhedora tem justamente esse propósito: garantir que meninos e meninas, de 0 a 17 anos, afastados temporariamente de suas famílias de origem por determinação judicial possam viver em um lar acolhedor, cercados de cuidado, proteção e carinho.
Em Paranaguá, o programa é executado pela Prefeitura, por meio da Secretaria da Mulher, Desenvolvimento Social e Igualdade Racial (Semdir), e tem possibilitado que diversas crianças e adolescentes encontrem, ainda que por um tempo, o calor e a estrutura de uma família. Cada acolhimento representa uma nova oportunidade de desenvolvimento e reconstrução emocional - tanto para quem é acolhido quanto para quem acolhe.
O acolhimento em Família Acolhedora é uma medida excepcional e temporária, prevista no artigo 101, inciso VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e regulamentada pela Lei n.º 12.010/2009, conhecida como Lei Nacional da Adoção. Essa legislação reforça o direito à convivência familiar e comunitária como princípio fundamental da proteção integral de crianças e adolescentes.
De acordo com Valéria Gomes, assistente social e coordenadora do programa em Paranaguá, o impacto do acolhimento vai muito além da legislação. “O Família Acolhedora transforma vidas. As famílias passam por um processo de inscrição, seleção e capacitação para receber uma criança ou adolescente em suas casas. Elas se tornam um porto seguro, oferecendo cuidado, atenção e afeto a quem mais precisa. É uma alternativa humanizada, que substitui temporariamente o acolhimento institucional e devolve à criança a experiência de ser parte de uma família”, explica.
Medida de proteção e cuidado individualizado
O acolhimento é aplicado como medida protetiva pela Vara da Infância e Juventude sempre que a integridade de uma criança ou adolescente está em risco - seja por negligência, abandono, abuso ou qualquer outra forma de violência. Nesses casos, o afastamento da família de origem é determinado judicialmente, e o Município assume a responsabilidade de garantir o acolhimento em condições adequadas.
“Temos duas modalidades de acolhimento no município: o institucional, realizado na Unidade de Acolhimento Institucional (UAI), e o familiar, que ocorre dentro de lares voluntários. A grande diferença é que, na modalidade familiar, o cuidado é individualizado. A criança tem uma rotina, uma referência afetiva e o convívio direto com uma família”, afirma Valéria.
Atualmente, 18 crianças e adolescentes estão acolhidos em famílias cadastradas pelo programa em Paranaguá. Outras cerca de 30 encontram-se na unidade institucional, o que demonstra a importância de ampliar o número de famílias acolhedoras. “Hoje contamos com 25 famílias aptas, mas ainda não conseguimos atender toda a demanda. Quanto mais famílias acolhedoras tivermos, mais crianças poderão crescer em um ambiente familiar, que é o ideal”, acrescenta a coordenadora.
Acolhimento temporário e acompanhamento contínuo
O acolhimento familiar é temporário e dura o tempo necessário para a tramitação do processo judicial. De acordo com o ECA, o período máximo é de até dois anos, podendo variar conforme cada caso. “A média é de três meses a dois anos, dependendo da situação. O objetivo é que o acolhimento dure o menor tempo possível, garantindo que a criança permaneça em ambiente familiar enquanto o Poder Judiciário define o retorno à família de origem ou a adoção por uma nova família”, explica Valéria.
Durante todo o processo, a equipe técnica da Semdir acompanha tanto a criança quanto a família acolhedora. “Há visitas periódicas, reuniões de acompanhamento e capacitações continuadas. Esse suporte é fundamental para garantir que o acolhimento ocorra de forma segura, responsável e com base nos princípios do cuidado e da proteção integral”, ressalta.
A prioridade do programa é acolher crianças da primeira infância, de 0 a 6 anos, por ser a fase mais importante do desenvolvimento humano. “É o período em que a criança mais precisa de afeto, estímulos e convivência. Mas o programa está preparado para acolher também crianças mais velhas e adolescentes, conforme a necessidade”, destaca a coordenadora.
Amor que transforma o acolhimento em missão
Entre as famílias acolhedoras cadastradas em Paranaguá está o casal Ivete e Pedro Arantes, ambos de 64 anos, professores aposentados que decidiram participar do programa em 2020. Desde então, o casal já acolheu dez crianças e adolescentes, oferecendo a elas um lar temporário durante o período de tramitação judicial.
“Queríamos adotar uma criança, mas conhecemos o programa e vimos nele uma forma de ajudar várias ao longo da vida. Fizemos a capacitação e logo fomos chamados. Desde então, nossa casa nunca mais ficou vazia”, conta Ivete, que hoje é uma das participantes mais experientes do programa.
Ao longo dos anos, o casal acolheu adolescentes, grupos de irmãos e bebês. Cada experiência, segundo eles, traz aprendizados e desafios diferentes. “Eles chegam com medo, retraídos, e em pouco tempo estão sorrindo, brincando, confiando de novo. É um trabalho de amor. Cuidar é algo que está no nosso sangue”, afirma Pedro.
Entre as histórias vividas, a do pequeno Matheus* é uma das mais marcantes. O menino chegou à casa do casal com um ano e meio e permanece acolhido há dois anos. Atualmente, está em processo de aproximação com a nova família adotiva, para onde deverá se mudar nos próximos dias.
“Quando ele chegou, não falava, só gritava. Tinha medo de tudo. A coordenadora disse que ele havia parado de falar porque apanhava muito, só gritavam com ele. Demorou cerca de vinte dias para pronunciar as primeiras palavras. Hoje ele fala sem parar, conversa, canta e é uma criança feliz. Ver essa transformação é o maior presente”, recorda Ivete.
A entrega de Matheus* à família adotiva é um momento de emoção e de dever cumprido. “Hoje estamos entregando o Matheus* com alegria, porque sabemos que ele será bem cuidado e amado. A gente cumpre nossa missão, planta uma sementinha e segue pronta para acolher outra criança”, completa.
Para o casal, o acolhimento familiar é uma oportunidade de contribuir para a reconstrução de histórias interrompidas. “Eles chegam sem nada, e tudo é novidade. Quando vão embora, deixam um vazio, mas também uma paz enorme. É saber que cumprimos o que nos propusemos a fazer”, afirma Ivete.
Pedro acrescenta que “alguns chegam com traumas profundos, que exigem paciência e amor”. “Tivemos um menino que não conseguia controlar o intestino por traumas. Com afeto e cuidado, ele foi se recuperando. É isso que o acolhimento faz: devolve dignidade e confiança”, diz.
O casal garante que pretende continuar participando do programa. “Enquanto tivermos saúde, vamos acolher. Não é trabalho, é amor. Trabalho é ficar doente, internado. Cuidar de uma criança é dar sentido à vida”, diz Ivete.
Ao falar sobre a experiência, Ivete faz um convite a outras famílias que desejam contribuir com o programa. “Para ser família acolhedora, não precisa muito. Basta ter amor e paciência. Eles vêm precisando de carinho, de abraço, de atenção. O programa é bonito no papel, mas na prática é muito melhor. É uma missão - e quem participa dela nunca sai igual”, conclui.
Como ser uma família acolhedora
O processo de ingresso no programa é simples. As famílias interessadas devem entrar em contato com a equipe do Família Acolhedora pelo WhatsApp (41) 99288-2626 ou pelo Instagram @familia.acolhedorapgua. O atendimento ocorre na Rua Júlia da Costa, junto ao Conselho Tutelar.
Após o primeiro contato, é agendada uma entrevista social e psicológica. A equipe realiza uma visita domiciliar para conhecer a estrutura da casa e o entorno, como escolas e unidades de saúde. Em seguida, a família participa de uma capacitação inicial e, estando apta, assina o termo de adesão. “O programa oferece acompanhamento permanente e capacitação continuada, garantindo que as famílias estejam sempre preparadas para o acolhimento”, explica Valéria.
Mais do que uma política pública, o Família Acolhedora é uma iniciativa que fortalece vínculos e promove transformação social. “O acolhimento familiar é uma oportunidade de reconstrução - para a criança, que volta a confiar no adulto, e para a família, que descobre o poder de cuidar”, resume a coordenadora do programa.
Ela destaca que, embora o acolhimento seja temporário, os laços criados são permanentes. “O amor que se constrói nesse processo é o que dá sentido à proteção. O acolhimento termina, mas o vínculo permanece - e isso é o mais importante”, finaliza Valéria Gomes.
*O nome utilizado nesta reportagem foi alterado para preservar a identidade do menor de idade.
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