Do G1
Após perder a filha Laura recém-nascida, Jacson Fressatto criou um programa, em Curitiba, que ajuda a alertar sobre os riscos de infecção generalizada, a sepse. O software lê informações dos pacientes e emite alertas enviados a cada 3,8 segundos à equipe médica, com o objetivo de denunciar riscos e gerenciar o quadro dos que já apresentam deterioração.
Funcionando por meio de inteligência artificial, o programa também chamado de robô Laura, é responsável por ajudar a salvar, em média, dez vidas por dia, e já auxiliou mais de nove mil pessoas no Brasil, operando em seis hospitais.
O levantamento foi feito pelo cientista de dados, Felipe Barletta, de 39 anos, que é estatístico e mestre em Bioestatística pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ele atestou os números em 822 dias de funcionamento da tecnologia. (Confira o levantamento completo mais abaixo).
A DOR
Em maio de 2010, a bebê Laura nasceu prematura em um hospital de Curitiba. Sobreviveu por 18 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal e não resistiu à infecção.
O pai movido pela perda da filha criou o primeiro robô cognitivo gerenciador de riscos do mundo, que leva o nome dela como homenagem.
“A Laura, com toda a vida que tinha naqueles 28 centímetros e 440 gramas, deixou a inspiração para que eu tivesse, mesmo nas piores condições, força para impactar a vida de outras pessoas. Nossa equipe leva hoje pra casa o saldo de dez vidas salvas todos os dias”, disse ele.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as infecções hospitalares atingem cerca de 14% dos pacientes internados e são responsáveis por mais de 100 mil mortes no Brasil todos os anos.
“Nenhuma tecnologia ou pessoa pode mudar minha história e da Laurinha. Porém, o maior incentivo é o amor pelo próximo. Fiz isso para diminuir o número de mães que dormiriam chorando com a perda de seus filhos. Fiz isso para mostrar que da dor, quando nos movemos por amor, conseguimos mudar positivamente a vida das pessoas”, relatou Jacson.
Segundo ele, a robô é uma homenagem para uma pessoa que não teve a chance de viver e experimentar tudo o que a vida tem de positivo. “É a forma que criei de externar minha intenção de impactar a vida das pessoas”, disse.
As estatísticas do robô indicam queda de 9% nos casos de infecção nos hospitais que usam o recurso.
VIDAS SALVAS
Uma das nove mil vidas que foram ajudadas pelo sistema desenvolvido pelo Jacson, é a da Bianca, filha da jornalista Jéssica Amaral.
A bebê nasceu e ficou internada na UTI do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, após a mãe sofrer uma infecção no útero, que ocasionou o parto prematuro.
Jéssica contou que quando a Bianca nasceu, ela estava apenas com 27 semanas de gestação. Após o nascimento, começaram as complicações, principalmente, no quadro respiratório.
Foram 77 dias de UTI e, nesse período, a Bianca teve sepse tardia, uma hemorragia periventricular grau IV e uma hemorragia pulmonar gravíssima, além de pneumonia.
“O período do hospital foi um dos mais difíceis da minha vida. Todo dia era uma montanha-russa de emoções. Uma hora a bebê estava bem e na outra estava entubada”, disse Jéssica.
A mãe contou que conheceu a robô Laura no hospital durante as conversas com as outras mães que comentavam que tinha esse sistema inovador no tratamento de pacientes.
“Acredito que o sistema faz parte de um conjunto. O trabalho dos médicos, enfermeiros, técnicos e a tecnologia unidos fazem com que o tratamento tenha mais eficácia. O sistema auxilia para detectar sepsias, que podem ser mortais para bebês tão pequenos, além de outros relatórios importantes para a avaliação médica. Quanto mais precoce o tratamento, maiores são as chances de melhora”, relatou ela.
Atualmente, a Bianca tem um ano e quatro meses e se desenvolve bem, sem sequelas.
“Claro que em todo o tempo que estive no hospital, vi crianças que não resistiram. Porém, também vi muitas crianças que os médicos não tinham esperança, superarem e hoje estão bem. É um conjunto. Tecnologia + conhecimento médico, só poderia dar certo”, concluiu Jéssica.
Outra vida que foi auxiliada é a do Rafael, filho da Keila Francielli Colle Santana. A mãe contou que estava grávida de 18 semanas quando começou a ter faltas de ar. Segundo ela, achava que o sintoma era normal da gestação. Quando foi ao hospital, já ficou internada, tomando soro e vitaminas.
Depois de três dias, recebeu alta hospitalar, mas os sintomas retomaram. Com 21 semanas de gravidez já não conseguia mais andar direito e voltou para o hospital.
“Me mandaram para a UTI com suspeita de H1N1. Tive que fazer mais exames, até que a enfermeira falou que o que eu tinha era sepsemia, por conta de uma endocardite. E isso foi a robô que identificou”, relatou a mãe.
A Keila precisou passar por uma cirurgia cardíaca de emergência. Os médicos não acreditavam muito nas chances de vida dela e do bebê, pois era muito cedo para o Rafael nascer, mas no fim deu tudo certo.
“Graças a Deus a cirurgia correu bem e sobrevivemos. Atualmente o Rafael está com oito meses e super saudável. Sou eternamente grata pela robô Laura em minha vida. Eu já conhecia o sistema, pois na época eu trabalhava em um hospital, mas nunca imaginei que eu iria ser ‘salva’ por ele”, contou a mãe emocionada.
O LEVANTAMENTO
Para calcular o número de dez vidas salvas por dia foram necessárias três etapas. Primeiro, foram selecionados os pacientes monitorados pela Laura em cinco hospitais, de outubro de 2016 quando começou a funcionar a dezembro de 2018.
A partir desse levantamento, foram identificados os pacientes que receberam, pelo menos, um alerta gerado pelo robô Laura que tenha resultado em abertura de protocolo de sepse e/ou prescrição de antibiótico.
Desses pacientes, os que receberam alta foram considerados salvos com a ajuda da Laura. Em todo o período analisado, 9.029 pessoas foram salvas, ou, em média, dez vidas por dia.
O levantamento foi feito pelo cientista de dados, Felipe Barletta.
“Não acho que o termo ‘salvar’ seja muito adequado. Preferimos usar a expressão ‘ajudou a salvar’, pois a robô gera o alerta para a equipe assistencial e médica, e então identifica o paciente com maior risco. Assim, eles podem agir com maior exatidão. Como utilizamos modelos estatísticos que dão a probabilidade do paciente ir a óbito podemos afirmar que com a ajuda da Laura é possível diminuir o risco”, explicou ele.
De acordo com Felipe, o sistema da Laura é adequado. Antes da Laura, os hospitais utilizavam outro tipo de sistema para identificar pacientes em risco. Os tradicionais protocolos Early Warning Scores – pontuação de alerta precoce, que se baseiam somente no estado atual da pessoa, ignoram as variações ao longo do tempo do estado do paciente.
A ROBÔ
A Laura é uma tecnologia implantada nos hospitais para identificação precoce dos riscos de infecção grave, a sepse. O recurso, criado por Fressatto após a morte da filha, usa a inteligência artificial e a tecnologia cognitiva para fazer o gerenciamento de dados da rotina do hospital e emitir alertas.
Ativa desde 2016, a Laura já teve cerca de 1,2 milhão de pacientes conectados e reduziu em 25% a taxa de mortalidade hospitalar, segundo o levantamento. Além de salvar vidas, a tecnologia é um instrumento para otimização de tempo e recursos em saúde.
A cor laranja e a movimentação na tela indicam alterações nos dados vitais dos pacientes e também nos exames laboratoriais, o que serve de alerta para as equipes, que se movimentam rapidamente.
A tecnologia da Laura funciona em hospitais do Paraná e de Minas Gerais. Também está em fase de implantação na Santa Casa de Porto Alegre (RS) e no Hospital A.C.Camargo, em São Paulo.
Alguns dos hospitais atendidos, são: Hospital Erasto Gaertner e Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), em Curitiba; Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga (MG); Santa Casa de Londrina e Hospital Ministro Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu.
RISCOS DA SEPSE
Segundo o Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), a sepse é responsável por 25% das taxas de ocupação do leito em UTI no Brasil e sua mortalidade associada pode variar de 29,6% a 54,1% nos hospitais privados e públicos, respectivamente. Além disso, a doença é a mais cara no setor da saúde.
“A sepse é um caso grave de saúde pública em UTIs, pois além de cessar muitas vidas, estamos tratando com um inimigo silencioso que surge de repente e traz um prejuízo financeiro enorme a qualquer hospital”, afirmou Rubens Alexandre de Faria, de 52 anos, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
De acordo com o artigo dele, publicado na Research on Biomedical Engineering, o custo dos cuidados para um paciente com sepse é seis vezes maior do que um paciente sem sepse.
“A robô Laura foi conhecida através da minha aluna de mestrado Aline Kalil, que trabalhava no HNSG e se intrigou em estudar a real eficiência que um software poderia ter na solução de problemas reais em UTIs, como a sepsis. Desta forma, viu uma oportunidade de se iniciar um estudo para uma possível solução na redução das infecções”, explicou Rubens.
Segundo ele, a robô Laura mostrou extrema relevância para a qualidade da assistência médica ao apoiar as decisões clínicas e reduzir a mortalidade nas UTIs. O resultado preliminar da pesquisa foi classificado como nível B1 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na área de engenharias e publicado em um periódico internacional.